GUIU EM PEDAÇOS

GUIU EM PEDAÇOS
Algumas boas palavras permanecem....sempre em nossos corações!

26 de set. de 2009


"(...)
Eles não sabem nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mão de uma criança."

António Gedeão

Nem tudo são flores
nos meses de primavera.
Voam marimbondos...

Bem vinda, PRIMAVERA!!




"Eu nunca guardei rebanhos,

Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.
Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.
Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.
Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.
Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.
E se desejo às vezes
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo),
É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.
Quando me sento a escrever versos
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo dum outeiro,
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas idéias,
Ou olhando para as minhas idéias e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
E quer fingir que compreende.
Saúdo todos os que me lerem,
Tirando-lhes o chapéu largo
Quando me vêem à minha porta
Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.
Saúdo-os e desejo-lhes sol,
E chuva, quando a chuva é precisa,
E que as suas casas tenham
Ao pé duma janela aberta
Uma cadeira predileta
Onde se sentem, lendo os meus versos.
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer cousa natural
— Por exemplo, a árvore antiga
À sombra da qual quando crianças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar,
E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado."

(Alberto Caeiro, heterónimo de Fernando Pessoa)

Guevara

"Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter a primavera inteira."
Che Guevara

17 de set. de 2009

Eu e a chuva...a chuva e eu...


E eis que o céu se liquefez num denso tom de verde-água: era pura água de chuva sobre mim.
Não havia nuvens, era o céu um pedaço de oceano: suave, calmo.
Não havia medo: era olhar para o céu d'água e me sentir como cada gota, prestes a cair.
Não havia vento: era somente a emoção de enxergar a suavidade da tempestade, força que dá de beber à terra.
Havia o perfume que antecede a água caindo, havia uma felicidade infantil de quem gosta de banhar-se nela: a chuva.
Havia a vontade de misturar-se a ela, a terra, e deixar-se levar por ela, a água.

E eis que ela veio, a chuva, torrente de sentimentos há muito guardados, escondidos, vindo à tona num repente.
Lavando a alma da terra, escorrendo pelas ruas, indo de encontro aos rios que se alegraram, vazando devagar por sobre as árvores, fazendo a rosa perfumar-se ao luar. Ela veio, a água, transparente como o coração que olhava a chuva, fazendo soprar uma brisa leve, fazendo girar a roda que inundava aquele velho poço que eu conheci outrora.
Ela veio: a tempestade benvinda a lavar-me a alma dolorida, o refresco que antecede o calor do Sol.

Ela veio, a chuva, e eu fui com ela, me derramando, dissolvendo-me por sobre as folhas, as flores, os animais, as pedras e a terra.
Ela veio e eu fui com ela, fluindo solta por todos os quatro cantos, os quatro ventos e quadrantes.
Ela foi-se e trouxe-me de volta: de volta a mim e ao mundo.

7 de set. de 2009

Paz

“Não é preciso procurar pela paz, ela está dentro.
Paz é seu estado original.
Mas situações externas e sentimentos internos podem afetar esse estado.
Por isso é importante que você aprenda a tomar conta de si e assegurar sua paz. Procure levar a atenção para sua forma espiritual, um minúsculo ponto de luz no centro da testa.
Experimente a diferença entre o ponto e o corpo, o veículo.
Tente desapegar do veículo.
Experimente ser o ponto de luz.
Mesmo poucos minutos dessa prática, feita com regularidade, trará de volta seu estado natural de paz.”
 Brahma Kumaris

6 de set. de 2009

Reforma Psiquiátrica


DJAIR MORA AQUI


CONTARDO CALLIGARIS
Folha de São Paulo, quinta-feira, 08 de julho de 2004.
Caderno Ilustrada


Há quase duas décadas, Djair Carlos, 52, faz xixi no mesmo poste. É seu
jeito de dizer que ele não sai de uma quadra específica do Itaim. Nos
últimos anos, escolheu uma esquina: Joaquim Floriano com Clodomiro Amazonas.

Na calçada da Carglass, uma moderna loja de vidros para carros, está sua
casa. Até pouco tempo atrás, era um carrinho de dois andares, sem rodas,
para que não fosse roubado durante as breves ausências do dono. Mas o
carrinho foi retirado como lixo. Hoje, a moradia de Djair é mais modesta:
uma caixa e um sofá velho, aquisição recente, que, segundo ele, não durará.

Djair vive com dois cachorros. A cadela (linda mistura de labrador com
vira-lata) dá cria com regularidade. Da última vez, nasceram 12
cachorrinhos, que foram distribuídos e adotados graças ao trabalho de Suely
Maciel, psicóloga do Centro de Controle de Zoonoses da prefeitura (o centro
tem a tarefa de tornar possível e salubre a convivência urbana com os
animais).

Conversei com alguns vizinhos de Djair, que na esquina é conhecido como o
Barba. Vanessa e a dona Bete, do bar Estação, e Célia, da lanchonete Samaro,
me contaram que o Barba cuida dos cachorros como se fossem gente. Se ele
recebe uma comida (da igreja, do pessoal da loja São Benedito ou de outros),
é primeiro para seus protegidos. O sofá, atualmente, é para eles, enquanto
ele dorme sentado. O próprio Djair disse que os cachorros são sua vida.

De onde vem o Barba, ninguém sabe direito. Dizem que tinha filhos e tal,
mas, um dia, aconteceu algo terrível, que (comentou dona Bete) "deve ter
dividido sua cabeça". Mas não se sabe o quê. Parece que ele passou um tempo
preso. Quatro anos atrás, apareceu um irmão do Barba que tentou convencê-lo
a visitar a mãe doente. Djair respondeu que nunca voltaria a se relacionar
com a família.

Todos os vizinhos concordam: o Barba não bebe e não é violento nem
ameaçador. Alguns se incomodam com o cheiro e com a presença de Djair, das
suas tralhas e dos seus cachorros. Outros encaram o Barba com simpatia.
Lembram que as coisas estavam melhor quando, no lugar da Carglass, havia uma
agência do HSBC: o Barba podia usar a água do estacionamento para se lavar e
passar a mangueira ao redor do carrinho.

Duas vezes por semana, Djair recebe a visita de Suely e de uma psicóloga do
Centro de Atenção Psicossocial do Itaim. Os Caps cuidam da saúde mental dos
cidadãos onde quer que estejam; se possível, evitam a segregação, que muitas
vezes tem mais a ver com a manutenção da ordem do que com o projeto de curar
loucos e estranhos.

Aliás, eis um exemplo: algumas semanas atrás, a Subprefeitura de Pinheiros
pediu que o Caps do Itaim fizesse o necessário para que Djair fosse tirado
da rua. A razão era um boato de que alguns infelizes estariam planejando
colocar fogo no carrinho do Barba e, quem sabe, nele mesmo. Como não seria
possível protegê-lo, melhor interná-lo. Pois é, proponho que os paulistas
suscetíveis de serem vítimas de seqüestro relâmpago sejam todos internados
imediatamente.

Um psiquiatra do Caps do Itaim, Carlos Assédio, foi entrevistar o Barba.
Tudo parecia pronto para a internação; só faltava sua canetada. Carlos achou
que Djair era, sim, psicótico, mas nem por isso precisava ser internado. Ou
seja, preferiu praticar a medicina e deixar a manutenção da ordem para a
polícia.

No sábado passado, conversei bastante com Djair. Escutei uma extraordinária
aceleração de histórias que envolviam personagens (imagino) do passado do
Barba ou do bairro: histórias pornográficas, às vezes violentas e sempre
desconexas. Djair fala na língua distorcida de um Guimarães Rosa dos pobres
e derrelitos e com dez vezes a virulência erótica do João Ubaldo Ribeiro da
"Casa dos Budas Ditosos".

Ao lado de famílias lambendo sorvetes, de casais passeando de mãos dadas e
de grupos de amigos saboreando uma cerveja, naquela tarde de sol, Djair
parecia articular a trama turva e incompreensível de sangue, sexo e grana
que talvez esteja sempre reprimida atrás de nossas sorridentes convivências
cotidianas. Era como se sua vida na calçada fosse a condição e o preço pago
para saber o que escoa nas sarjetas.

Mas não é o caso de se apavorar. É só pedir, e o Barba pára seu monólogo.

Remédios apropriados conteriam um pouco a confusão do pensamento de Djair.
Mas como garantir uma medicação correta nessas condições?

Se fosse internado, Djair, separado de sua esquina e de seus companheiros
(os cachorros), seria provavelmente um espectro errando pelo pátio de um
hospício.

Seria bom se, pelas esquinas de nossas cidades, todos os Barbas pudessem
viver tranqüilos conosco e com as tragédias que agitam suas mentes (e que
são muito parecidas com as nossas). Mas entendo os argumentos de quem não
agüenta a parada.

Freqüentemente me perguntam o que penso da reforma psiquiátrica. Pois bem, a
história de Djair é minha melhor (e perplexa) resposta.